segunda-feira, 4 de julho de 2011

QUEM FOI JADA BHARATA?





A citação a seguir trata-se de um trecho do primeiro capítulo do 
"Natya-Shastra", obra clássica dos hindus. "Natya-Shastra", significa,
aproximadamente, "Tratado sobre Teatro (ou dança)". Estamos diante de um dos
livros míticos da Índia. Não se sabe ao certo quando foi criado. Por séculos
foi transmitido oralmente e chegou a sua forma escrita, em sanscrito, apenas
há alguns séculos. A autoria do texto é atribuída a "Bharata", entidade mítica
que recebeu de Xiva e Brama, as divindades hindus, a ordem para a criação do
teatro e a feitura do tratado em questão. Bharata, diz a lenda, teria vivido
por volta da época de Jesus Cristo e é, para a mitologia hindu, o inventor
do teatro. O primeiro capítulo trata da origem do teatro e os demais, cerca
de trinta, começam a abordar uma série de questões técnicas do teatro e
dança hindus.
Pois bem, agora tenham um pouco de paciência: o trecho é longo, mas vale a
pena chegar ao seu final, belíssimo.


"Inclinando-me diante de Brama e Xiva, descreverei as regras do teatro tal 
qual foram promulgadas por Brama.
 No tempo antigo, os sábios de grande alma que tinham dominado os seus 
sentidos aproximaram-se do piedoso Bharata, mestre da arte dramática, 
durante um intervalo nos seus trabalhos. Ele tinha acabado de terminar a 
recitação das suas orações, e estava rodeado dos seus filhos. Os sábios de 
grande alma que tinham dominado os seus sentidos disseram-lhe 
respeitosamente: Oh Bramane, como nasceu o tratado do teatro, semelhante aos 
livros sagrados, que tu compuseste? A quem se dirige ele, quais são suas 
partes, o tamanho, e como deve ser aplicado? Rogamos-te que nos digas tudo 
isto detalhadamente.
 Ouvindo estas palavras dos sábios, Bharata respondeu-lhes assim sbre a 
questão do tratado do teatro:
 Purificai-vos, ficai atentos e escutai as origens do tratado do teatro 
composto por Brama. Oh brâmanes, no tempo antigo, no tempo em que a idade de 
ouro foi substítuida pela idade da prata, em que os homens se deram aos 
prazeres dos sentidos, submetendo-se assim ao jugo do desejo, quando eles 
conheceram o ciúme, a cólera, quando a sua felicidade se misturou de 
tristeza, nesse tempo os deuses, com o grande Indra à sua cabeça, 
aproximaram-se de Brama e falaram-lhe assim:
 Nós queremos um objeto de representação, que deve ser tanto audível quanto 
visível. Como os quatro livros sagrados não podem ser ouvidos por aqueles 
que nasceram intocáveis, rogamos-te que cries um outro livro sagrado que 
pertença igualmente a todas as castas.
 Assim seja, respondeu ele, e tendo despedido os deuses, medita e chama à 
sua memória os quatro livros sagrados.
 Depois pensa: vou fazer um quinto livro sagrado sobre o teatro, servindo-me 
dos livros históricos. Ele mostrará o caminho em direção à virtude, á 
riqueza, à glória, conterá bons conselhos morais, guiará os homens do futuro 
em todas as suas ações, será enriquecido pelo ensinamento de todos os 
tratados, e passará em revista todas as artes e todos os ofícios.
 Com a sua recordação dos quatro livros sagrados, Brama fez então o seu 
tratado sobre o teatro. Deles retira o texto, a música, a encenação e os 
sentimentos.
 Depois de o santo e o omnisciente Brama ter assim criado o seu tratado do 
teatro, ele disse a Indra: Os livros históricos foram compostos por mim. Tu 
vais transformá-los em peças de teatro, e faze-las representar pelos deuses. 
Transmite este tratado do teatro àqueles de entre os deuses que são destros, 
instruídos, hábeis no falar e estão habituados a trabalhar duramente.
 A estas palavras de Brama, Indra inclina-se diante dele, junta as mãos e 
responde: Oh melhor e mais santo, os deuses não são capazes nem de receber e 
defender o teu tratado do teatro, nem de compreender e utilizar. Eles são 
completamente inaptos para o teatro. Mas os sábios que conhecem os mistérios 
dos livros sagrados, e que cumpriram os seus votos, são capazes de defender 
este tratado do teatro e de o pôr em prática.
 A estas palavras de Indra, Brama disse-me: Homem sem pecado, és tu, com os 
teus cem filhos, quem deverá servir-se deste tratado do teatro.
 Para obedecer a esta ordem, estudei o tratado do teatro de Brama e pedi aos 
meus filhos que também o estudassem e que o pusessem em prática. Para 
benefício dos homens, distribui pelos meus filhos os papéis que mais lhe 
convinham.
 Oh bramanes, preparei-me assim para dar uma representação na qual entravam 
diferentes estilos dramáticos, o poético, o grandioso e o patético.
 (...)
 Aproximei-me de Brama e disse-lhe: Oh mais santos e melhor dos deuses, os 
maus espíritos estão decididos a impedir esta representação dramática; 
ensina-me também os meios de a proteger.
 Então Brama disse ao seu arquiteto para construir cuidadosamente um teatro 
do melhor tipo. Brama visita-o e diz aos outros deuses: vós deveis cooperar 
na proteção das diversas partes deste teatro, e dos objetos necessários à 
representação dramática. O deus da lua protegerá o edifício principal, os 
guardiões dos mundos os edifícios adjacentes (...) O grande Indra, ele 
mesmo, estabelecer-se-á do lado da cena (...) Na seção do alto foi colocado 
Brama, na segunda Xiva, na terceira Vixnu, na quarta Kartikeia e na quinta 
outros deuses poderosos. (...) O próprio Brama ocupa o meio da cena. É por 
esta razão que esse local é ornado com flores no início das representações. 
(...)
 Durante este tempo, os deuses em corpo disseram a Brama: Tu devias acalmar 
os maus espíritos por meio da conciliação. Primeiro é preciso aplicar este 
método, depois dar prendas, depois, se não servirem de nada, criar a 
dissensão entre os inimigos, e por fim, se preciso, recorrer a expedientes 
punitivos.
 Ouvindo estas palavras dos deuses, Brama chama os maus espíritos e 
diz-lhes: Porque quereis impedir a representação teatral? (...) Eles 
responderam: O conhecimento da arte dramática que tu introduziste pela 
primeira vez segundo o desejo dos deuses colocou-nos sob uma luz 
desfavorável, e fizeste-o no interesse dos deuses. Não o deverias ter feito, 
tu que és o pai do mundo inteiro, tanto de nós quanto dos deuses.
 Brama respondeu: Cessai a vossa cólera, abandonai a vossa tristeza. 
Preparei este tratado do teatro que determinará o bom e o mau destino dos 
deuses, e o vosso, e que terá em conta os atos e as idéias dos deuses, e 
vossas.
 Neste teatro, não há representação exclusiva dos deuses, ou vossa. O teatro 
é a representação do mundo inteiro. Fala-se aí de dever, de jogos, de 
dinheiro, de paz, do riso, de combate, de amor e de morte. Ele ensina o 
dever àqueles que o ignoram, o amor àqueles que a ele aspiram. Ele pune os 
maus, aumenta o domínio dos que são disciplinados, dá coragem aos covardes, 
energia aos heróis, inteligência aos fracos de espírito, e sabedoria aos 
sábios. (...) O teatro que eu inventei é uma imitação das ações e das 
condutas dos homens. É rico em emoções variadas, e descreve diferentes 
situações. As ações dos homens que ele relata são boas, más ou indiferentes. 
Ele dá coragem, divertimento, felicidade e conselhos a todos."


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