aproximadamente, "Tratado sobre Teatro (ou dança)". Estamos diante de um dos
livros míticos da Índia. Não se sabe ao certo quando foi criado. Por séculos
foi transmitido oralmente e chegou a sua forma escrita, em sanscrito, apenas
há alguns séculos. A autoria do texto é atribuída a "Bharata", entidade mítica
que recebeu de Xiva e Brama, as divindades hindus, a ordem para a criação do
teatro e a feitura do tratado em questão. Bharata, diz a lenda, teria vivido
por volta da época de Jesus Cristo e é, para a mitologia hindu, o inventor
do teatro. O primeiro capítulo trata da origem do teatro e os demais, cerca
de trinta, começam a abordar uma série de questões técnicas do teatro e
dança hindus.
Pois bem, agora tenham um pouco de paciência: o trecho é longo, mas vale a
pena chegar ao seu final, belíssimo.
"Inclinando-me diante de Brama e Xiva, descreverei as regras do teatro tal
qual foram promulgadas por Brama.
No tempo antigo, os sábios de grande alma que tinham dominado os seus
sentidos aproximaram-se do piedoso Bharata, mestre da arte dramática,
durante um intervalo nos seus trabalhos. Ele tinha acabado de terminar a
recitação das suas orações, e estava rodeado dos seus filhos. Os sábios de
grande alma que tinham dominado os seus sentidos disseram-lhe
respeitosamente: Oh Bramane, como nasceu o tratado do teatro, semelhante aos
livros sagrados, que tu compuseste? A quem se dirige ele, quais são suas
partes, o tamanho, e como deve ser aplicado? Rogamos-te que nos digas tudo
isto detalhadamente.
Ouvindo estas palavras dos sábios, Bharata respondeu-lhes assim sbre a
questão do tratado do teatro:
Purificai-vos, ficai atentos e escutai as origens do tratado do teatro
composto por Brama. Oh brâmanes, no tempo antigo, no tempo em que a idade de
ouro foi substítuida pela idade da prata, em que os homens se deram aos
prazeres dos sentidos, submetendo-se assim ao jugo do desejo, quando eles
conheceram o ciúme, a cólera, quando a sua felicidade se misturou de
tristeza, nesse tempo os deuses, com o grande Indra à sua cabeça,
aproximaram-se de Brama e falaram-lhe assim:
Nós queremos um objeto de representação, que deve ser tanto audível quanto
visível. Como os quatro livros sagrados não podem ser ouvidos por aqueles
que nasceram intocáveis, rogamos-te que cries um outro livro sagrado que
pertença igualmente a todas as castas.
Assim seja, respondeu ele, e tendo despedido os deuses, medita e chama à
sua memória os quatro livros sagrados.
Depois pensa: vou fazer um quinto livro sagrado sobre o teatro, servindo-me
dos livros históricos. Ele mostrará o caminho em direção à virtude, á
riqueza, à glória, conterá bons conselhos morais, guiará os homens do futuro
em todas as suas ações, será enriquecido pelo ensinamento de todos os
tratados, e passará em revista todas as artes e todos os ofícios.
Com a sua recordação dos quatro livros sagrados, Brama fez então o seu
tratado sobre o teatro. Deles retira o texto, a música, a encenação e os
sentimentos.
Depois de o santo e o omnisciente Brama ter assim criado o seu tratado do
teatro, ele disse a Indra: Os livros históricos foram compostos por mim. Tu
vais transformá-los em peças de teatro, e faze-las representar pelos deuses.
Transmite este tratado do teatro àqueles de entre os deuses que são destros,
instruídos, hábeis no falar e estão habituados a trabalhar duramente.
A estas palavras de Brama, Indra inclina-se diante dele, junta as mãos e
responde: Oh melhor e mais santo, os deuses não são capazes nem de receber e
defender o teu tratado do teatro, nem de compreender e utilizar. Eles são
completamente inaptos para o teatro. Mas os sábios que conhecem os mistérios
dos livros sagrados, e que cumpriram os seus votos, são capazes de defender
este tratado do teatro e de o pôr em prática.
A estas palavras de Indra, Brama disse-me: Homem sem pecado, és tu, com os
teus cem filhos, quem deverá servir-se deste tratado do teatro.
Para obedecer a esta ordem, estudei o tratado do teatro de Brama e pedi aos
meus filhos que também o estudassem e que o pusessem em prática. Para
benefício dos homens, distribui pelos meus filhos os papéis que mais lhe
convinham.
Oh bramanes, preparei-me assim para dar uma representação na qual entravam
diferentes estilos dramáticos, o poético, o grandioso e o patético.
(...)
Aproximei-me de Brama e disse-lhe: Oh mais santos e melhor dos deuses, os
maus espíritos estão decididos a impedir esta representação dramática;
ensina-me também os meios de a proteger.
Então Brama disse ao seu arquiteto para construir cuidadosamente um teatro
do melhor tipo. Brama visita-o e diz aos outros deuses: vós deveis cooperar
na proteção das diversas partes deste teatro, e dos objetos necessários à
representação dramática. O deus da lua protegerá o edifício principal, os
guardiões dos mundos os edifícios adjacentes (...) O grande Indra, ele
mesmo, estabelecer-se-á do lado da cena (...) Na seção do alto foi colocado
Brama, na segunda Xiva, na terceira Vixnu, na quarta Kartikeia e na quinta
outros deuses poderosos. (...) O próprio Brama ocupa o meio da cena. É por
esta razão que esse local é ornado com flores no início das representações.
(...)
Durante este tempo, os deuses em corpo disseram a Brama: Tu devias acalmar
os maus espíritos por meio da conciliação. Primeiro é preciso aplicar este
método, depois dar prendas, depois, se não servirem de nada, criar a
dissensão entre os inimigos, e por fim, se preciso, recorrer a expedientes
punitivos.
Ouvindo estas palavras dos deuses, Brama chama os maus espíritos e
diz-lhes: Porque quereis impedir a representação teatral? (...) Eles
responderam: O conhecimento da arte dramática que tu introduziste pela
primeira vez segundo o desejo dos deuses colocou-nos sob uma luz
desfavorável, e fizeste-o no interesse dos deuses. Não o deverias ter feito,
tu que és o pai do mundo inteiro, tanto de nós quanto dos deuses.
Brama respondeu: Cessai a vossa cólera, abandonai a vossa tristeza.
Preparei este tratado do teatro que determinará o bom e o mau destino dos
deuses, e o vosso, e que terá em conta os atos e as idéias dos deuses, e
vossas.
Neste teatro, não há representação exclusiva dos deuses, ou vossa. O teatro
é a representação do mundo inteiro. Fala-se aí de dever, de jogos, de
dinheiro, de paz, do riso, de combate, de amor e de morte. Ele ensina o
dever àqueles que o ignoram, o amor àqueles que a ele aspiram. Ele pune os
maus, aumenta o domínio dos que são disciplinados, dá coragem aos covardes,
energia aos heróis, inteligência aos fracos de espírito, e sabedoria aos
sábios. (...) O teatro que eu inventei é uma imitação das ações e das
condutas dos homens. É rico em emoções variadas, e descreve diferentes
situações. As ações dos homens que ele relata são boas, más ou indiferentes.
Ele dá coragem, divertimento, felicidade e conselhos a todos."
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