quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Circunstâncias....

Não são as Circunstâncias que Decidem a Nossa Vida
A nossa vida, como repertório de possibilidades, é magnífica, exuberante, superior a todas as históricamente conhecidas. Mas assim como o seu formato é maior, transbordou todos os caminhos, princípios, normas e ideais legados pela tradição. É mais vida que todas as vidas, e por isso mesmo mais problemática. Não pode orientar-se no pretérito. Tem de inventar o seu próprio destino. 

Mas agora é preciso completar o diagnóstico. A vida, que é, antes de tudo, o que podemos ser, vida possível, é também, e por isso mesmo, decidir entre as possibilidades o que em efeito vamos ser. Circunstâncias e decisão são os dois elementos radicais de que se compõe a vida. A circunstância – as possibilidades – é o que da nossa vida nos é dado e imposto. Isso constitui o que chamamos o mundo. A vida não elege o seu mundo, mas viver é encontrar-se, imediatamente, em um mundo determinado e insubstituível: neste de agora. O nosso mundo é a dimensão de fatalidade que integra a nossa vida. 
Mas esta fatalidade vital não se parece à mecânica. Não somos arremessados para a existência como a bala de um fuzil, cuja trajectória está absolutamente pré-determinada. A fatalidade em que caímos ao cair neste mundo – o mundo é sempre este, este de agora – consiste em todo o contrário. Em vez de impor-nos uma trajetória, impõe-nos várias e, consequentemente, força-nos... a eleger. Surpreendente condição a da nossa vida! Viver é sentir-se fatalmente forçado a exercitar a liberdade, a decidir o que vamos ser neste mundo. Nem mum só instante se deixa descansar a nossa actividade de decisão. Inclusivé quando desesperados nos abandonamos ao que queira vir, decidimos não decidir. 

É, pois, falso dizer que na vida «decidem as circunstâncias». Pelo contrário: as circunstâncias são o dilema, sempre novo, ante o qual temos de nos decidir. Mas quem decide é o nosso carácter. 

Ortega y Gasset, in 'A Rebelião das Massas'

terça-feira, 23 de agosto de 2011

TRECHO CENA II "HAMLET"

....Nem tampouco sejas tímido demais; porém deixa que teu bom senso seja teu guia. Que a ação responda à palavra e a palavra à ação, pondo especial cuidado em não ultrapassar os limites da simplicidade da natureza, porque tudo o que a ela se opõe, afasta-se igualmente do próprio fim da arte dramática, cujo objetivo, tanto em sua origem como nos tempos que correm, foi e é o de apresentar, por assim dizer, um espelho à vida; mostrar à virtude suas próprias feições, ao vício sua verdadeira imagem e a cada idade e geração sua fisionomia e características. Assim sendo, se exagerarmos a expressão ou se esta enfraquecer, por mais que isto faça rir aos ignorantes, só poderá desgostar aos discretos, cuja censura, embora se trate de um só homem, deve mais pesar em tua opinião do que a de todo um público composto dos outros. Oh! sei que existem atores a quem vi representar e aos quais ouvi elogiar entusiasticamente, para não dizer indecentemente, os quais, não tendo nem acento, nem porte de cristãos, de pagãos, nem ao menos de homens, pavoneavam-se e vociferavam de tal modo, que cheguei a pensar que, tendo algum mal artífice da natureza resolvido formar tal casta de homens, transformaram-se em verdadeiros abortos, tão abominavelmente imitavam a humanidade......

segunda-feira, 4 de julho de 2011

DENIS DIDEROT

......nasceu em Langres, na França, em 5 de outubro de 1713, e morreu em Paris, em 31 de julho de 1784. Educado em colégio de jesuítas, recebe sólida instrução humanística. Em 1732 instala-se em Paris. Vive apenas de traduções. Depois, dedica-se à direção editorial da "Enciclopédia ou Dicionário lógico das ciências, artes e ofícios", obra gigantesca que preparará ideologicamente a  Revolução Francesa.

Encarregado pelo livreiro Lebreton de traduzir para o francês a enciclopédia inglesa "Cyclopaedia", de Ephraim Chambers, Diderot transforma o projeto em obra autônoma, suma das tendências científicas, sociais, econômicas e políticas do Século das Luzes. Em 1750 surge o "Prospecto" da "Enciclopédia", de autoria de Diderot, para incentivar a subscrição popular da obra: mais um manifesto do que um programa editorial.

Compartilhando a direção da "Enciclopédia" com d'Alembert, cujo "Discurso preliminar", no início do primeiro volume, é uma exposição de princípios filosóficos, Diderot vai entregar-se a uma tarefa que o absorverá durante 16 anos.

Diderot tem fé no progresso contínuo, tem a certeza de que a ciência fornece a chave dos enigmas do mundo, de que a religião deve se circunscrever a uma modesta tarefa de regrar o comportamento prático do homem, de que a tecnologia irá construir o futuro econômico das sociedades e de que a política é a arte de eliminar as desigualdades sociais.
 

Ensaios, ficção, crítica e cartas

Fora da "Enciclopédia", Diderot escreve um volume de reflexões filosóficas ("Pensamentos filosóficos"), em que formula objeções racionalistas contra a revelação sobrenatural. Em 1748 aparece seu livro de contos licenciosos: "As jóias indiscretas".

Imediatamente antes da "Enciclopédia", em 1749, Diderot publica o ensaio "Carta sobre os cegos para uso dos que enxergam", tratando sobre a sujeição do homem aos seus cinco sentidos, o relativismo do conhecimento humano e a negação de qualquer fé transcendental. A esse ensaio segue-se imediatamente seu complemento: "Carta sobre os surdos-mudos".

A produção literária de Diderot se desdobra em vários gêneros. Ele escreveu dramas, ensaios, crítica de pintura e romances. Seu "Ensaio sobre a pintura", obra póstuma, é um trabalho de sensibilidade e de finura crítica, que mereceu o elogio de Goethe.

No terreno literário, Diderot produziu três romances ou novelas: "Jacques, o fatalista" - o mais pessoal dos seus escritos de ficção, com suas licenciosidades, sua incoerência narrativa, suas digressões à maneira de Laurence Sterne; "A religiosa" - obra licenciosa e anticlerical, denunciando a vida hipócrita dos conventos; e "O sobrinho de  "Rameau" - sua obra-prima, onde encontramos o melhor do talento de Diderot, um diálogo vivo e espirituoso, uma convincente estruturação de caracteres.

A maior parte da obra de Diderot só foi publicada depois de sua morte, inclusive a correspondência com Sophie Volland (1759-1774), sua última amante, publicada em 1830, um dos melhores epistolários da literatura francesa.
Diderot  foi e ainda é muito contestado por suas idéias e trabalhos. Se lhe 
resta um mérito indiscutível, talvez seja este: foi o primeiro a escrever um 
ensaio relevante sobre o trabalho do ator. O "Paradoxo do Comediante" já um 
tanto superado, ainda resiste como registro e provocação, como obra 
precursora de um debate que viria a ser central em nosso século. A seguir, 
um pequeno trecho do Paradoxo, obra construída em forma de diálogos:

"PRIMEIRO -  Um grande ator não é nem um piano-forte, nem uma harpa, nem um 
cravo, nem um violino, nem um violoncelo, não existe um acorde que lhe seja 
próprio; mas ele toma o acorde e o tom que mais convêm à sua parte. E sabe 
executar todas. Tenho em grande conta o talento de um grande ator: esse 
homem é raro, tão raro e  talvez maior que o poeta.
 Aquele que na sociedade se propõe a tal, e tem o infeliz talento de agradar 
a todos, não é nada, não tem nada que lhe pertença, que o distinga, que 
entusiasme uns e que canse os outros. Ele fala sempre, e sempre bem; é um 
adulador profissional, é um grande cortesão, é um grande ator.
SEGUNDO - Um grande cortesão, acostumado desde que respira ao papel de um 
fantoche maravilhoso, toma toda a espécie de formas, segundo a vontade do 
fio que está entre as mãos do seu senhor.
PRIMEIRO - Um grande ator é outro fantoche maravilhoso cujo fio é seguro 
pelo poeta, e a quem ele indica a cada verso qual a forma verdadeira que 
deve tomar."


STO AGOSTINHO....(354-430)

......o famoso arcebispo de Hipona, reflete, no terceiro livro das  
suas "Confissões" sobre a sua experiência como espectador de tragédias  
durante os dias de sua juventude. A sua reflexão terá um objetivo final:  
arrepender-se de sua antiga paixão pelo teatro, esmagada pela sua paixão da  
maturidade: a fé católica. Na época de Agostinho, essas paixões soavam pouco  
mescláveis:



"Tinha também, ao mesmo tempo, uma paixão violenta pelos espetáculos do 
Teatro, que estavam cheios das imagens das minhas misérias, e das chamas 
amorosas que alimentavam o fogo que me devorava. Mas qual é o motivo que faz 
com que os homens aí acorram com tanto ardor, e que queiram experimentar a 
tristeza olhando coisas funestas e trágicas que, apesar de tudo, não 
quereriam saber? Por que o espectadores querem sentir a dor, e essa dor é o 
seu prazer. Qual o motivo senão uma loucura miserável, pois somos tanto mais 
comovidos por essas aventuras poéticas quanto menos curados daquelas 
paixões, apesar de apelidarem de miséria o mal que sofrem na sua pessoa, e 
misericórdia a compaixão que têm das infelicidades dos outros. Mas que 
compaixão se pode ter para com as coisas fingidas e representadas num 
Teatro, uma vez que aí não se excita o auditor para socorrer os fracos e os 
oprimidos, mas é este convidado apenas a afligir-se com o seu infortúnio? 
Que ele fica tanto mais satisfeito com os atores quanto mais eles o 
comoveram com pena e aflição; e que, se estes sujeitos trágicos, com as suas 
infelicidades verdadeiras ou supostas, são representados com tão pouca graça 
e indústria que não o afligem, sai desgostado e irritado com os atores. Que 
se, pelo contrário, for tocado com a dor, fica atento e chora, 
experimentando, ao mesmo tempo, o prazer e as lágrimas. Mas dado que todos 
os homens naturalmente desejam alegrar-se, como podem gostar dessas lágrimas 
e dessas dores? Não será que, ainda que o homem não sinta prazer pela 
miséria, no entanto ela sinta prazer a ser tocado pela misericórdia: e que, 
dado que não pode experimentar esse movimento da alma sem experimentar a 
dor, aconteça que, por uma conseqüência necessária, ele acarinhe e goste 
dessas dores?"

LUIS BORGES....."REFLEXÃO SOBRE O TEATRO"

......Quem conhece algo de sua obra, logo concordará. Homem dos 
mais preciosos que este século acolheu, pensador de tantas esferas do 
pensamento e do conhecimento, Borges não se privou de, por mais de uma vez, 
refletir sobre teatro.... 







"(...) Desta reflexão me conduzo a uma frase casual que entrevi ao folhear  
uma história da literatura grega, que me interessou por ser ligeiramente  
enigmática. Havia aqui a frase: "He brought in a second actor" (Ele trouxe  
um segundo ator). Me detive, comprovei que o sujeito dessa misteriosa ação  
era Ésquilo e que este, segundo se lê no quarto capítulo da "Poética", de  
Aristóteles, "elevou de um a dois o número de atores". É sabido que o drama  
nasceu da religião de Dioniso; originariamente, um só ator, o "hipócrita",  
elevado pelo coturno, trajado de negro ou púrpura e aumentado o rosto por  
uma máscara, compartilhava a cena com os doze indivíduos do coro. O drama  
era uma das cerimônias do culto e, como todo o ritual, correu algumas vezes  
o risco de ser invariável. Isto pôde ocorrer um dia, quinhentos anos antes  
da era cristã. Os atenienses viram com maravilha e talvez com escândalo  
(Vitor Hugo conjeturou o último) a não anunciada aparição de um segundo  
ator. O que pensaram naquele dia de uma primavera remota, naquele teatro de  
cor dourada? O que sentiram exatamente? Por acaso nem estupor, nem  
escândalo; por acaso apenas um princípio de assombro. Nas "Tuscalanas"  
consta que Ésquilo ingressou na ordem pitagórica, mas nunca saberemos se  
pressentiu, sequer de um modo imperfeito, o significado daquela passagem de  
um a dois, da unidade a pluralidade e assim ao infinito. Com o segundo ator  
entraram o diálogo e as indefinidas possibilidades de reação de uns  
personagens sobre outros. Um espectador profético haveria visto que  
multidões de aparências futuras o acompanhavam: Hamlet e Fausto e Segismundo  
e Macbeth e Peer Gynt e outros que, todavia, nossos olhos não podem  
discernir."

O Teatro.....


...... longe de ser apenas veículo da peça, instrumento a serviço do  
autor e da literatura, é uma arte de próprio direito, em função da qual é  escrita a peça. Esta, em vez de servir-se do teatro é, ao contrário,  material dele. O teatro a incorpora como um dos seus elementos. O teatro,  portanto, não é literatura, nem veículo dela. É uma arte diversa da  literatura. O texto, a peça, literatura enquanto meramente declamados, tornam-se teatro  no momento em que são representados, no momento, portanto, em que os  declamadores, através da metamorfose, se transformam em personagem, a  identificação de um eu com outro eu - fato que marca a passagem de uma arte  puramente temporal e auditiva (literatura) ao domínio de uma arte  espaço-temporal ou audiovisual. O "status" da palavra modifica-se  radicalmente. Na literatura são as palavras que mediam o mundo imaginário.  No teatro são os atores/personagens (seres imaginários) que mediam a  palavra. Na literatura a palavra é a fonte do homem (das personagens). No  teatro o homem é a fonte da palavra."
(Anatol Rosenfeld)

Mensagem...Bertolt Brecht

Quero,  citar  aqui um poema de um homem que fez teatro e pelo teatro se entregou a  busca de compreender os fenômenos à sua volta. O poema é dedicado aos que  viriam ao mundo depois da vinda de seu autor. Eis o poema, chamado
 "Aos  pósteros":


Realmente vivo em tempos sombrios.
A palavra ingênua é tola. Uma fronte lisa
Indica insensibilidade. Aquele que ri

Ainda não recebeu
A terrível notícia.


Uma conversa sobre árvores é quase um crime
Por que inclui um silêncio sobre tantos delitos?
Aquele que vai pela rua tranqüilo
Não é mais acessível aos amigos
Que estão em necessidade?



É verdade: ainda ganho o meu sustento
Mas acreditem: é por acaso. Nada
do que faço autoriza que eu me sacie.
Casualmente fui poupado. (Quando minha sorte acabar
Estou perdido.)


Dizem-me coma! beba! fique feliz por ter o quê!
Mas como posso comer e beber se
Tiro ao faminto o que comer e
Meu copo d’água falta a quem tem sede?
No entanto, como e bebo.



Gostaria também de ser sábio.
O que é sábio está nos velhos livros:
Afastar-me da briga do mundo e passar
Sem medo a curta temporada
Sobreviver sem violência
Pagar o mal com o bem

Não realizar os desejos, mas esquecê-los
É tido por sábio.
Nada disso eu posso:
Realmente, vivo em tempos sombrios!


II
Cheguei às cidades no tempo da desordem
Quando aí reinava a fome
Cheguei-me aos homens no tempo do tumulto


E indignei-me com eles.
Assim passou o tempo
Que me foi dado sobre a terra.

Comi minha comida entre as batalhas
Deitei-me para dormir entre os assassinos


Tratei do amor sem atenção
E vi a natureza sem paciência.

Assim passou o tempo


Que me foi dado sobre a terra.
No meu tempo os caminhos levavam ao pântano.
Minha linguagem denunciava-me ao carrasco.
Só pude pouca coisa. Mas esperava que sem mim
Os dominadores se sentassem mais seguros.



Assim passou o tempo
Que me foi dado sobre a terra.

As forças eram escassas. O alvo
Ficava a grande distância.
Era bem visível, embora
Eu mal pudesse alcança-lo.

Assim passou o tempo
Que me foi dado sobre a terra.

III
Vocês, que emergirão da maré
Onde nós soçobramos
Pensem


Ao falarem das nossas fraquezas
Nos tempos sombrios
De que escaparam.
Pois nós, desesperados, trocando mais de países
Que de sapatos, atravessamos as guerras de classes quando
Só havia injustiça e nenhuma revolta.


No entanto sabemos:
Também o ódio contra a baixeza
Contorce os traços.
Também a cólera contra a injustiça
Deixa a voz rouca. Ah, nós
Que quisemos preparar o chão para a amabilidade
Nós próprios não pudemos ser amáveis
mas vocês, quando tiver chegado a hora
Do homem ajudar o homem
Pensem em nós
Com indulgência.


JOSÉ CELSO MARTINEZ CORRÊA

......Emergiu nos anos de 1960 como um dos mais revolucionários diretores teatrais do país, numa época marcada pela encenação europeizada do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Desde então, vem construindo um dos mais originais percursos dos palcos brasileiros, além dos mais radicais e polêmicos, em busca de uma linguagem estética que revolucione o comportamento das pessoas. 








Associando seu teatro ao ritual dionisíaco, procura quebrar com a tradicional relação palco/pláteia e integrar o público à ação dramática, para retirá-lo de sua tradicional passividade.


Experimentou assim as teorias stanislaviskianas, percorreu o realismo clássico de Maxim Gorki e Checov e experimentou o "teatro épico" de Bertolt Brecht. Atualmente, aproxima-se cada vez mais das idéias de Antonine Artaud. Formado pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo, criou, em parceria com Renato Borghi, Amir Haddad, Jorge da Cunha Lima e outros, o Teatro Oficina, em 1958.


O espetáculo de estréia do grupo foi Vento Forte para Papagaio Subir (1958), escrito por ele mesmo. Depois de passar pelo grupo Teatro de Arena, dirigido por Augusto Boal, iniciou-se como diretor com A Vida Impressa em Dólar (1961), de Clifford Odets.


Tomado pelo vigor e engajamento político, tanto quanto pela necessidade em promover rupturas, montou em 1967 seu mais inovador espetáculo: O Rei da Vela, de Oswald de Andrade. A peça, dedicada ao cineasta de Terra em Transe, Glauber Rocha, expressou as idéias do movimento tropicalista e marcou a história do teatro brasileiro. Misturava sem pudor teatro de revista, ópera, circo ao panfleto modernista e transitava com o elenco do palco para a platéia, confrontando o espectador.


Assumindo seu "teatro de agressão", montou o explosivo Roda Viva (1968), de Chico Buarque de Hollanda; no mesmo dia em que foi decretado o AI-5, Galileu Galilei (1968), de Brecht; em seguida Na Selva das Cidades (1969), também do dramaturgo alemão; e Gracias Señor (1972), sua primeira criação coletiva. Preso e torturado pelo regime militar, partiu para o exílio, onde permaneceu de 1974 a 1978. De volta ao Brasil, reabriu o Oficina com a peça 25 (1979). Seus mais recentes trabalhos foram Ela (1997), de Jean Genet, e Cacilda (1998-1999), uma criação coletiva.




Segue a citação de um trecho de texto do diretor José Celso Martinez Correa, 
líder do teatro Oficina de São Paulo, criador de alguns dos momentos mais 
brilhantes de nosso teatro, como as montagens de "O rei da vela", de Oswald, 
"Vida de Galileu", de Brecht e "Bacantes", de Eurípedes. De resto, penso, Zé 
Celso dispensa apresentações. Pois aí vai a reflexão, no inconfundível  
estilo de seu autor:

"Teatro, como diz tia Oscar Wilde, dá em sociedades nobres. Quer dizer, é 
filho de uma dramaturgia da sociedade que coloca no centro a importância de 
estar vivo e ser mortal, do "é hoje só, amanhã não tem mais". Assim foi no 
século de Péricles que deu tragédia grega, no de Elizabeth, Shakespeare, no 
da vontade de poder descolonizadora tenenista ou varguista (sei lá como 
chamar isto que hoje é maldição do stalinismo liberal) deu a antropofagia, 
Villa-Lobos, Bidu Saião, Oswald. No desenvolventismo, JK deu Nelson, 
Cacilda, bossa, cinema novo, no aqui agora do tempo das multidões jovens dos 
anos 60, jorrou tropicalismo, música, cinema, teatro, política, artes 
plásticas, Plinio Marcos e Cacilda Becker de nova Antígona Chanel no teatro 
da agitação política de 68.
Nossa época de aparência, repito: aparência, pouco nobre e muito pobre, onde 
pra poder qualquer coisa, como sobre viver, por exemplo e não ser pra sempre 
matematicamente "cortado", somos convidados a viver fuçando, lambendo, 
babando, o capital especulativo, empregado da abstração economicista. Temos 
que tagarelar nas TVs e colunas para garantir a miséria social e dar vida a 
"ela", a moeda, a "real" que se recusa a virar matéria-prima concreta, 
investimento produtivo, comida devorável, esterco."




MARTINS PENA

..... (Luís Carlos M. P.), teatrólogo, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 5 de novembro de 1815, e faleceu em Lisboa, Portugal, em 7 de dezembro de 1848. É o patrono da Cadeira nº 29, por escolha do fundador Artur Azevedo.


Era filho de João Martins Pena e Francisca de Paula Julieta Pena. Órfão de pai com um ano de idade e de mãe aos dez, foi destinado pelos tutores à vida comercial. Completou o curso do comércio em 1835. Cedendo à vocação, passou a freqüentar a Academia de Belas Artes, onde estudou arquitetura, estatuária, desenho e música; simultaneamente estudava línguas, história, literatura e teatro. Em 1838, entrou para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, onde exerceu cargos, até chegar ao posto de adido à Legação do Brasil em Londres. Doente de tuberculose, e fugindo ao frio de Londres, veio a falecer em Lisboa, em trânsito para o Brasil.


De 1846 a 1847, fez crítica teatral como folhetinista do Jornal do Commercio. Seus textos foram reunidos em Folhetins. A semana lírica. Mas foi como teatrólogo a sua maior contribuição à literatura brasileira, em cuja história figura como o fundador da comédia de costumes. Desde O juiz de paz da roça, comédia em um ato, representada pela primeira vez, em 4 de outubro de 1838, no Teatro de São Pedro, até A barriga de meu tio, comédia burlesca em três atos, representada no mesmo teatro em 17 de dezembro de 1846, escreveu aproximadamente 30 peças, quase tantas obras quantos anos de idade, pois o autor tinha apenas 33 anos quando faleceu. 


O caráter geral de todas as suas peças é o da comédia de costumes. Dotado de singular veia cômica, escreveu comédias e farsas que encontraram, na metade do século XIX, um ambiente receptivo que favoreceu a sua popularidade. Envolvem sobretudo a gente da roça e do povo comum das cidades. Sua galeria de tipos, constituindo um retrato realista do Brasil na época, compreende: funcionários, meirinhos, juízes, malandros, matutos, estrangeiros, falsos cultos, profissionais da intriga social, em torno de casos de família, casamentos, heranças, dotes, dívidas, festas da roça e das cidades. Foi, assim, Martins Pena, quem imprimiu ao teatro brasileiro o cunho nacional, apontando os rumos e a tradição a serem explorados pelos teatrólogos que se seguiriam. A sua arte cênica ainda hoje é representada com êxito.


Algumas obras: O juiz de paz da roça, comédia em 1 ato (repr. 1838); A família e a festa na roça, comédia em 1 ato (repr. 1840); O Judas em sábado de aleluia, comédia em 1 ato (repr. 1844); O namorador ou A noite de São João, comédia em 1 ato (1845); O noviço, comédia em 3 atos (1845); O caixeiro da taverna, comédia em 1 ato (1845); Quem casa quer casa, provérbio em 1 ato (1845); e diversas outras comédias e dramas. Foram reunidas no volume Comédias, editado pela Garnier (1898) e em Teatro de Martins Pena, 2 vols., editado pelo Instituto Nacional do Livro (1965). O volume Folhetins. A semana lírica (1965, ed. MEC/INL), abrange a colaboração do autor no Jornal do Commercio, de agosto de 1846 a outubro de 1847.




"Assim como há portugueses que esperam por D. Sebastião,
ingleses por Artur, crentes pelo Messias, renegados pelo Anti-Cristo,
nós também esperamos pelo reformulador do nosso teatro. São crenças, e
com elas morreremos, legando-as a nossos filhos."

(Martins Pena)



QUEM FOI JADA BHARATA?





A citação a seguir trata-se de um trecho do primeiro capítulo do 
"Natya-Shastra", obra clássica dos hindus. "Natya-Shastra", significa,
aproximadamente, "Tratado sobre Teatro (ou dança)". Estamos diante de um dos
livros míticos da Índia. Não se sabe ao certo quando foi criado. Por séculos
foi transmitido oralmente e chegou a sua forma escrita, em sanscrito, apenas
há alguns séculos. A autoria do texto é atribuída a "Bharata", entidade mítica
que recebeu de Xiva e Brama, as divindades hindus, a ordem para a criação do
teatro e a feitura do tratado em questão. Bharata, diz a lenda, teria vivido
por volta da época de Jesus Cristo e é, para a mitologia hindu, o inventor
do teatro. O primeiro capítulo trata da origem do teatro e os demais, cerca
de trinta, começam a abordar uma série de questões técnicas do teatro e
dança hindus.
Pois bem, agora tenham um pouco de paciência: o trecho é longo, mas vale a
pena chegar ao seu final, belíssimo.


"Inclinando-me diante de Brama e Xiva, descreverei as regras do teatro tal 
qual foram promulgadas por Brama.
 No tempo antigo, os sábios de grande alma que tinham dominado os seus 
sentidos aproximaram-se do piedoso Bharata, mestre da arte dramática, 
durante um intervalo nos seus trabalhos. Ele tinha acabado de terminar a 
recitação das suas orações, e estava rodeado dos seus filhos. Os sábios de 
grande alma que tinham dominado os seus sentidos disseram-lhe 
respeitosamente: Oh Bramane, como nasceu o tratado do teatro, semelhante aos 
livros sagrados, que tu compuseste? A quem se dirige ele, quais são suas 
partes, o tamanho, e como deve ser aplicado? Rogamos-te que nos digas tudo 
isto detalhadamente.
 Ouvindo estas palavras dos sábios, Bharata respondeu-lhes assim sbre a 
questão do tratado do teatro:
 Purificai-vos, ficai atentos e escutai as origens do tratado do teatro 
composto por Brama. Oh brâmanes, no tempo antigo, no tempo em que a idade de 
ouro foi substítuida pela idade da prata, em que os homens se deram aos 
prazeres dos sentidos, submetendo-se assim ao jugo do desejo, quando eles 
conheceram o ciúme, a cólera, quando a sua felicidade se misturou de 
tristeza, nesse tempo os deuses, com o grande Indra à sua cabeça, 
aproximaram-se de Brama e falaram-lhe assim:
 Nós queremos um objeto de representação, que deve ser tanto audível quanto 
visível. Como os quatro livros sagrados não podem ser ouvidos por aqueles 
que nasceram intocáveis, rogamos-te que cries um outro livro sagrado que 
pertença igualmente a todas as castas.
 Assim seja, respondeu ele, e tendo despedido os deuses, medita e chama à 
sua memória os quatro livros sagrados.
 Depois pensa: vou fazer um quinto livro sagrado sobre o teatro, servindo-me 
dos livros históricos. Ele mostrará o caminho em direção à virtude, á 
riqueza, à glória, conterá bons conselhos morais, guiará os homens do futuro 
em todas as suas ações, será enriquecido pelo ensinamento de todos os 
tratados, e passará em revista todas as artes e todos os ofícios.
 Com a sua recordação dos quatro livros sagrados, Brama fez então o seu 
tratado sobre o teatro. Deles retira o texto, a música, a encenação e os 
sentimentos.
 Depois de o santo e o omnisciente Brama ter assim criado o seu tratado do 
teatro, ele disse a Indra: Os livros históricos foram compostos por mim. Tu 
vais transformá-los em peças de teatro, e faze-las representar pelos deuses. 
Transmite este tratado do teatro àqueles de entre os deuses que são destros, 
instruídos, hábeis no falar e estão habituados a trabalhar duramente.
 A estas palavras de Brama, Indra inclina-se diante dele, junta as mãos e 
responde: Oh melhor e mais santo, os deuses não são capazes nem de receber e 
defender o teu tratado do teatro, nem de compreender e utilizar. Eles são 
completamente inaptos para o teatro. Mas os sábios que conhecem os mistérios 
dos livros sagrados, e que cumpriram os seus votos, são capazes de defender 
este tratado do teatro e de o pôr em prática.
 A estas palavras de Indra, Brama disse-me: Homem sem pecado, és tu, com os 
teus cem filhos, quem deverá servir-se deste tratado do teatro.
 Para obedecer a esta ordem, estudei o tratado do teatro de Brama e pedi aos 
meus filhos que também o estudassem e que o pusessem em prática. Para 
benefício dos homens, distribui pelos meus filhos os papéis que mais lhe 
convinham.
 Oh bramanes, preparei-me assim para dar uma representação na qual entravam 
diferentes estilos dramáticos, o poético, o grandioso e o patético.
 (...)
 Aproximei-me de Brama e disse-lhe: Oh mais santos e melhor dos deuses, os 
maus espíritos estão decididos a impedir esta representação dramática; 
ensina-me também os meios de a proteger.
 Então Brama disse ao seu arquiteto para construir cuidadosamente um teatro 
do melhor tipo. Brama visita-o e diz aos outros deuses: vós deveis cooperar 
na proteção das diversas partes deste teatro, e dos objetos necessários à 
representação dramática. O deus da lua protegerá o edifício principal, os 
guardiões dos mundos os edifícios adjacentes (...) O grande Indra, ele 
mesmo, estabelecer-se-á do lado da cena (...) Na seção do alto foi colocado 
Brama, na segunda Xiva, na terceira Vixnu, na quarta Kartikeia e na quinta 
outros deuses poderosos. (...) O próprio Brama ocupa o meio da cena. É por 
esta razão que esse local é ornado com flores no início das representações. 
(...)
 Durante este tempo, os deuses em corpo disseram a Brama: Tu devias acalmar 
os maus espíritos por meio da conciliação. Primeiro é preciso aplicar este 
método, depois dar prendas, depois, se não servirem de nada, criar a 
dissensão entre os inimigos, e por fim, se preciso, recorrer a expedientes 
punitivos.
 Ouvindo estas palavras dos deuses, Brama chama os maus espíritos e 
diz-lhes: Porque quereis impedir a representação teatral? (...) Eles 
responderam: O conhecimento da arte dramática que tu introduziste pela 
primeira vez segundo o desejo dos deuses colocou-nos sob uma luz 
desfavorável, e fizeste-o no interesse dos deuses. Não o deverias ter feito, 
tu que és o pai do mundo inteiro, tanto de nós quanto dos deuses.
 Brama respondeu: Cessai a vossa cólera, abandonai a vossa tristeza. 
Preparei este tratado do teatro que determinará o bom e o mau destino dos 
deuses, e o vosso, e que terá em conta os atos e as idéias dos deuses, e 
vossas.
 Neste teatro, não há representação exclusiva dos deuses, ou vossa. O teatro 
é a representação do mundo inteiro. Fala-se aí de dever, de jogos, de 
dinheiro, de paz, do riso, de combate, de amor e de morte. Ele ensina o 
dever àqueles que o ignoram, o amor àqueles que a ele aspiram. Ele pune os 
maus, aumenta o domínio dos que são disciplinados, dá coragem aos covardes, 
energia aos heróis, inteligência aos fracos de espírito, e sabedoria aos 
sábios. (...) O teatro que eu inventei é uma imitação das ações e das 
condutas dos homens. É rico em emoções variadas, e descreve diferentes 
situações. As ações dos homens que ele relata são boas, más ou indiferentes. 
Ele dá coragem, divertimento, felicidade e conselhos a todos."


Quem foi Friedrich Nietzsche?


"Eu não sou um homem, sou uma dinamite."

Enquanto alguns homens são apegados em demasia às suas crenças (numa verdadeira escravidão religiosa deturpadora do Cristianismo), outros são radicalmente contra o pensamento espiritualista e religioso em geral. Com efeito, conheceremos agora as principais passagens da vida de um polêmico pensador alemão: o professor de filologia (Estudo da língua em toda sua amplitude, e dos escritos que a documentam) Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900), que não só era céptico e materialista, como ainda se declarava totalmente adverso ao mais conhecido e venerado homem de toda a história da humanidade: Jesus de Nazaré - o Cristo.

A biografia de Nietzsche é a história de uma existência de errança, sofrimento e solidão. Seu pensamento rebelde e insolente desafia as normas de sua época e declara guerra aos valores do seu tempo. Com efeito, esse homem atribui-se a missão de derrubar a base dos ideais do Ocidente - o Cristianismo - para instaurar os valores materialistas que ele julgava "bons".

Nascido no dia 15 de Outubro de 1844 na pequena cidade de Röcken, na Prússia, Friedrich Wilhelm Nietzsche era o primogênito de Karl Ludwing e Franziska Oehler, descendentes de família protestante, sendo seu pai um pastor luterano. O casal ainda teve mais dois filhos: Elizabeth e Joseph.

Em 1849, seu pai veio a falecer, vítima de uma queda. Poucos meses depois morreu o pequeno Joseph. A viúva Franziska mudou-se com as crianças para Naumburgo. Lá, Nietzsche começou seus estudos e, num colégio em regime de internato, dedicou grande parte do tempo ao estudo da teologia, pois queria ser pastor como seu pai. Em Outubro de 1864, entrou na Universidade de Bonn, para estudar teologia e filologia clássica, transferindo-se um ano depois para a Universidade de Leipzig, onde fundou a Sociedade Filológica de Leipzig. Chegou também a participar como enfermeiro voluntário da guerra franco-prussiana.

Contrariando o desejo de sua família, Nietzsche, após dedicar-se por muito tempo ao estudo das ciências bíblicas, abandonou a teologia, encaminhando-se ao ateísmo. Com apenas 24 anos de idade, foi nomeado professor de filologia clássica na Universidade da Basiléia, na Suíça, onde ficou amigo do famoso compositor Richard Wagner. Em 1873 surgem os primeiros problemas de saúde, numa vida marcada por desilusões amorosas, pouco contato com a família e até três tentativas de suicídio. Doente, em 1879, apresenta uma carta de demissão à Universidade e abraça uma vida errante, vivendo de uma modesta pensão anual.

Em vão, tentou se casar. Apaixonado por uma "jovem russa" que conhecera em 1882, teve seu pedido de casamento recusado. Pouco tempo depois Lou Salomé já estava casada com um dos melhores amigos do infeliz filósofo rejeitado.

Entre músicas, poemas, conferências, livros e apêndices, é muito grande o seu número de escritos. Como não possuíam uma seqüência lógica, optou por organizá-los em aforismos para publicação. O seu primeiro livro, "O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música", foi publicado em 1873 e agradou a muitos poucos. Por conseguinte, perdeu praticamente todos os seus alunos e foi excomungado do círculo dos filólogos.

Eis as obras mais conhecidas do pensador alemão: "Humano, Demasiadamente Humano" (1878), "Aurora" (1881), "A Gaia Ciência" (1882), "Assim Falou Zaratrusta" (1883), "Para-Além de Bem e Mal" (1885), "Genealogia da Moral" (1887), "Crepúsculo dos Ídolos" (1888), "O Anticristo" (1888) e sua autobiografia "Ecce Homo" (1888).
Durante muito tempo, ele mesmo arcava com as despesas de publicação dos seus livros, que enviava para as pessoas conhecidas, que não se interessavam. O reconhecimento só veio quando já estava quase no fim da vida.

Por tudo isso, Nietzsche passou a viver solitário, discriminado e inquieto, quando passou a escrever cartas consideradas estranhas, até ser internado na clínica psiquiátrica da Basiléia com paralisia progressiva do cérebro. Perdeu a razão, oficialmente, no início de 1889 e passou os últimos onze anos de sua vida tutelado pela família, vindo a falecer em Weimar, completamente alheio à realidade à sua volta, ao meio-dia de 25 de Agosto de 1900.

Neste período, desempenhou um papel importantíssimo a irmã do adoentado pensador, Elizabeth Föster-Nietzsche, que através de trâmites judiciários, recebeu a custódia de todos os seus escritos. Ela elaborou uma nova edição das obras e divulgou o nome do irmão na imprensa, fazendo-o ídolo e ganhando muito dinheiro. Com a renda proveniente dos direitos autorais e das doações, criou em Weimar os Arquivos Nietzsche, sendo posteriormente visitada pelo próprio Hitler e enterrada com honras nacionais quando finalmente também desencarnou.

Segue uma bela reflexão sobre uma condição central do teatro, realizada por 
Nietzsche, num texto em que o autor estabelece a famosa distinção entre 
apolínio e dionisiaco e que comenta a origem da tragédia grega, ou em outros 
termos, a origem do teatro ocidental. Se Nietzsche não era homem de teatro, 
foi, ao que dizem e ao que se espera, um grande professor de literatura e 
teatro gregos e um filósofo que dispensa apresentações:

"A possessão é a condição prévia de toda a arte dramática; possuído, o 
exaltado por Dionisos vê-se como sátiro - e como sátiro, então, ele vê o 
deus. O que signfica que, metamorfoseado, ele apercebe, exterior a si, uma 
nova visão que é a concretização apolínea do seu estado. É com esta nova 
visão que o drama acaba de se constituir."




REFLEXÃO TEATRAL.....

O texto que segue é o prefácio do livro "O ponto de mudança", do diretor 
inglês Peter Brook, um dos mais importantes pontos de referência da cena  
contemporânea ocidental:


"Nunca acreditei em verdades únicas. Nem nas minhas, nem nas dos outros. 
Acredito que todas as escolas, todas as teorias podem ser úteis em algum 
lugar, num dado momento. Mas descobri que é impossível viver sem uma 
apaixonada e absoluta identificação com um ponto de vista.
No entanto, à medida que o tempo passa, e nós mudamos, e o mundo se 
modifica, os alvos variam e o ponto de vista se desloca. Num retrospecto de 
muitos anos de ensaios publicados e idéias proferidas em vários lugares, em 
tantas ocasiões diferentes, uma coisa me impressiona por sua consistência. 
Para que um ponto de vista seja útil, temos que assumi-lo totalmente e 
defendê-lo até a morte. Mas, ao mesmo tempo, uma voz interior nos sussura: 
"Não o leve muito a sério. Mantenha-o firmemente, abandone-o sem 
constrangimento." 



ZEAMI MOTOKIYO

Zeami é um dos grandes nomes do teatro japonês. Atribui-se a ele a criação 
do gênero Nô. Ao longo de sua vida, escreveu cerca de 200 Nô, dos quais a 
metade ainda hoje é representada. O trecho que vem abaixo faz parte do texto  teórico denominado "O espelho da flor", transmitido oralmente durante 
décadas e publicado apenas em 1665, mais de duzentos anos após a morte do 
 autor e ator:





"Olhando as plantas em flor, perguntamo-nos: porque se simboliza por uma 
flor todas as coisas do mundo? É pela sua existência efêmera que se gosta 
delas, elas só florescem durante uma estação, são raras.
De igual modo, o Nô fala ao coração e suscita o interesse. A flor, o 
interesse e a raridade, eis a maravilha do Nô. 


Florir e murchar são inevitáveis: é o que torna as flores maravilhosas. O 
encanto do Nô, a sua flor, encontra-se na virtude da mudança. O Nô nunca é 
estático, transforma-se sem cessar, como a flor, e é esta mudança que o 
torna tão raro. 


No entanto, é necessário respeitar as suas regras e evitar a extravagância, 
mesmo na demanda da raridade ou da novidade. Após todos os exercícios, no momento de apresentar um Nô, é preciso escolher de acordo com a situação. De entre todas as flores, só é verdadeiramente rara aquela que eclode no seu 
quadro temporal. Do mesmo modo, se aprendestes bem as numerosas técnicas das artes, escolhereis adaptando-vos à época e ao público; será como uma flor na sua estação. 


As flores de hoje são semelhantes às do ano passado. Assim, o Nô, mesmo 
tendo já sido visto antes, ou inscrevendo-se num repertório importante, 
retornará, após a passagem do tempo, igualmente raro."